segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Boa parte de mim

Boa parte de mim vai embora
A sua parte que hoje sou eu

(Vanguart - Nessa cidade)

Com o passar do tempo nada mais é o que parece. O mundo muda e você não tem o direito de parar. Isso. Não existe esta alternativa. Estagnar é morrer, e morrer por dentro. Só não é a pior morte porque há como voltar dela. Mas e aí? E se você não consegue voltar? É muito cedo, podem dizer, e eu não discordo de vocês. Mas e sobre esse mundo que não me ensinou a sofrer? Que oferta mil soluções instantâneas para os meus problemas, mas todas com o seu devido custo já inserido numa lógica malandra, onde o “vendedor” sempre se aproveita do “comprador” necessitado. O desejo, o amor, o fio condutor (como quiserem chamar), que não tem mais seu destino, que transborda sem ter onde se fixar e assim evapora como que para chover ironicamente por sobre minha cabeça. A mesa sem uma perna que me tornei. Uma perna desgastada pelo tempo e os socos que demos nela. Foi-se. Arranquei. Doía-me alguma coisa nela. Fiquei meio bambo desde então. As coisas escorregam para essa ponta da mesa, onde um pedaço falta. Deslizam e caem no chão. Fogem da mesa (ou a mesa as obriga a cair). De qual material é feita a peça? Qual o tamanho e como encaixarei o novo suporte? E quem sabe se eu reforçar as outras pernas para, quando outra, melhor mesmo das que já existem, aparecer, ela combine com a reforma que fiz, com a nova robustez de espírito do móvel? E, sabe, móveis de madeira são perecíveis, orgânicos, e com chuva ácida (pois é assim que ela é) se deteriora. Por onde começo? Pela primeira, pela segunda ou terceira perna? Pelo tampo da mesa em si? Ou eu aprendo alguns macetes de marcenaria antes? Não, não espero que mais ninguém responda a essas perguntas além de mim. Sou o único que pode desbravar as dimensões desse objeto. Claro que aprendo, ouço, vejo, sinto e reflito sobre as pessoas, as relações, o que me dizem e, enfim, o universo ao meu redor para então me voltar para meu infinito particular. Só espero não ter perdido algum órgão do sentido pelo caminho, ter endurecido sentimentos ou ocultado coisas de mim mesmo. Preciso me abrir, expandir e fazer uma flexão sobre mim mesmo: refletir. Sempre a escrita. Sempre a contemplação e o pensar. Agora até dos sonhos tento tirar algo. Até do que não compreendo e do que não sei conscientemente um fio sai. Estou tentando ligar as pontas. Alguma coisa aqui e ali já aparece. Pensei em dispensar, transformar, projetar, etc., tudo em música, artes plásticas, cênicas ou cinematográficas, mas não tenho nenhum desses dons. Deixo tudo a minha mal fadada escrita, que não mostra nem dignifica e nem lembra uma única fração de como são realmente as coisas por dentro de mim. Pois as palavras diminuem tudo, como li de um poeta certa vez. Mas elas também servem como iscas para fisgar emoções, como diria Clarisse. E as minhas permeiam o meu escrito, por mais pobre e sem estilo que possa ser. Aqui é possível um pouco de paz, de luz nas trevas ou calmaria na tormenta. Não consigo falar, da boca pra fora, sobre isso da mesma forma. Essas letras é que dizem resquícios do que está acontecendo e vindo a acontecer. Só me resta esperar, enquanto realizo esses pequenos movimentos, que um novo parágrafo na minha vida floresça.

Gabriel Carvalho

Um comentário:

  1. Quem usa metáforas para transcrever sentimentalização, consegue atingir até aqueles que nem tem coração.

    ResponderExcluir