sexta-feira, 5 de julho de 2013

Devir barro

Sinto-me mais próximo da tão negligenciada aula de artes, do que de uma olimpíada de matemática. Não quero ser como uma criança inteligente que, por ter uma boa visão lógica e espacial das coisas, aprendeu a juntar peças de lego de diversas maneiras possíveis. Há certo limite nos encaixes que me incomoda. Sua prisão se encontra na razão e na chamada probabilidade. As peças ainda são feitas de um plástico duro que mal representam o petróleo de onde se originam. Os buracos onde suas elevações devem se encaixar precisam ser do tamanho exato, caso contrário toda a estrutura fica meio bamba, meio insegura. Estou mais inclinado ao barro, por mais que os puritanos lhe acusem de sujo ou arcaico. O barro é um material maleável, junção de água e terra, que bem se envolve com outras partes desses dois elementos tão presentes na natureza. Mas veja bem: não falo de encaixes perfeitos, pelo contrário: suas formas unidas são sempre singulares. Cada um prossegue como se moldasse sua história tal qual um oleiro molda as curvas de sua arte, deixando uma marca indelével e legítima do seu eu, dos seus afetos e do seu corpo no mundo. Por essas e outras, quero deixar meu barro bem volúvel, mesmo quando belas estatuetas possam surgir; o quero sempre livre, solto, sem ser estático - estatístico! -, para que não se quebre ao encontrar paredes, mas sim se espalhe por sua superfície até achar algumas fissuras onde penetre desfazendo-as, mas não sem antes amolecer um pouco o muro. Uma nova escultura, por fim, surgiria dos encontros, sem nunca acabar por completo o processo - por não ser concreto ou plástico, metal ou vidro: por ser barro e vir a ser o que for.


Gabriel Bernardi



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