sexta-feira, 26 de julho de 2013

Crepúsculo dos ídolos

Meus astros caíram da redoma do ideal. Foi numa noite muito fria, nas alturas da escada que construí para alcançá-los e que já ultrapassa suas casas há muitos metros. Era eu quem então assumia o lugar no topo. Ali não era tão confortável quanto imaginei. A qualquer vacilo poderia cair. E cairia como um deles, não pertencendo mais aos lugares de onde vim. É preciso de um pouco mais de força, de um certo equilíbrio. 

Aqui a gravidade é outra e a gravidade como as coisas são encaradas também. Aqui se pode ser pai, professor, psicólogo, irmão, amigo e muito mais. Faz-se compreensível a dificuldade pela qual os que me antecederam passaram - aqui, mas sempre lá, sempre adiante... Falta-me uma casa por essas bandas,  assim como faltam outros passos por esses altos terrenos. Será interessante, isso eu já posso dizer. Resisti no início, mas acredito que será interessante. 

E mesmo aqui onde me encontro, não pretendo esquecer os degraus por onde vim. Ainda vou descê-los mais de uma vez e a minha casa será onde eu estiver. Nesse processo o que aproveitei mesmo foi o desenvolver da minha capacidade de criar, de transpor o ideal para o plano do real e ainda poder sonhar, criando objetos fantásticos no palco dos sonhos, dos olhos que se fecham, voltam-se para dentro, descansam e retornam para encarar tudo a sua volta com ânimo renovado - e quantos olhos temos quando estamos juntos! 

A felicidade de desmistificar uma estrela é entender do que ela é feita e como ela foi parar ali, para que disso se possa criar uma constelação própria, apropriando-se da vida em toda sua potencialidade.


Gabriel Bernardi



quarta-feira, 24 de julho de 2013

Plácido

Tenho tanto a dizer que acho melhor calar
Num pingo de silêncio ou na gota do olhar
Tanta água qual um oceano que até passa
A vontade de rimar


Gabriel Bernardi



segunda-feira, 8 de julho de 2013

O estado do Estado

Não costumo escrever sobre política, mas meu senso crítico e a indignação que cresce em mim não deixam que eu me cale sobre o atual estado das coisas. O Estado não me representa. Ainda tenho um extenso caminho a trilhar para conhecer melhor a política atual e o que levou o Brasil ao que dele se faz hoje, mas percebo que como está não dá. Informando-me sobre as ações de Dilma após os protestos populares que encheram as ruas do país com manifestações - a princípio apartidárias -, percebi que sua linha de atuação não está tão voltada assim ao interesse do povo, mas ao seu próprio e ao de seu partido de se manterem no poder. Não sou contra a esquerda, pelo contrário. Só não acho que o PT a possa sustentar como diz que faz. E emprego a mesma desconfiança aos demais partidos. Disputam o número de ministérios onde afincaram suas bandeiras partidárias, buscando acordos por interesses próprios. Estando no poder, querem manter-se nele ou buscar ainda mais. Estando um pouco de lado, engalfinham-se e tentam puxar o mais que podem o tapete dos que lá se encontram. 

Não há horizonte. Há uma torre de marfim (verticalidade pura) que nada tem a ver com os cidadãos comuns, a não ser que são esses os que sustentam com sua mão de obra os pilares da torre. Prova disso são os manifestos. Abalaram a estrutura. Fizeram políticos se moverem. Mas seus movimentos por enquanto são fachadas, apenas refrescam a sede da população. Um líquido preto e docinho (e altamente publicitário) que cobrará seu preço no futuro com os problemas de saúde da sociedade. 

O Estado se foca em manter o poder: poder sobre corpos, sobre as ciências, sobre as tecnologias, financiando experts a ditar as verdades que lhes favorecem. E cá estamos, em véspera de reeleições de políticos que nada mais farão do que tentar se manter ou galgar um lugar no poder. Duas alternativas parecem viáveis momentaneamente: buscar conhecer os candidatos que melhor nos representarão como povo - e aqui falando sobre interesses que buscam a igualdade e não meras disputas de classes - e não deixar o movimento e o significado caracterizado pelo bordão "vem pra rua" morrerem nas coletividades e em cada um.


Gabriel Bernardi



sexta-feira, 5 de julho de 2013

Devir barro

Sinto-me mais próximo da tão negligenciada aula de artes, do que de uma olimpíada de matemática. Não quero ser como uma criança inteligente que, por ter uma boa visão lógica e espacial das coisas, aprendeu a juntar peças de lego de diversas maneiras possíveis. Há certo limite nos encaixes que me incomoda. Sua prisão se encontra na razão e na chamada probabilidade. As peças ainda são feitas de um plástico duro que mal representam o petróleo de onde se originam. Os buracos onde suas elevações devem se encaixar precisam ser do tamanho exato, caso contrário toda a estrutura fica meio bamba, meio insegura. Estou mais inclinado ao barro, por mais que os puritanos lhe acusem de sujo ou arcaico. O barro é um material maleável, junção de água e terra, que bem se envolve com outras partes desses dois elementos tão presentes na natureza. Mas veja bem: não falo de encaixes perfeitos, pelo contrário: suas formas unidas são sempre singulares. Cada um prossegue como se moldasse sua história tal qual um oleiro molda as curvas de sua arte, deixando uma marca indelével e legítima do seu eu, dos seus afetos e do seu corpo no mundo. Por essas e outras, quero deixar meu barro bem volúvel, mesmo quando belas estatuetas possam surgir; o quero sempre livre, solto, sem ser estático - estatístico! -, para que não se quebre ao encontrar paredes, mas sim se espalhe por sua superfície até achar algumas fissuras onde penetre desfazendo-as, mas não sem antes amolecer um pouco o muro. Uma nova escultura, por fim, surgiria dos encontros, sem nunca acabar por completo o processo - por não ser concreto ou plástico, metal ou vidro: por ser barro e vir a ser o que for.


Gabriel Bernardi