segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Eros uma vez

Eros uma vez
uma poesia de amor:

Respirava com tanta força,
que inspirando sombras e dores,
mandava transformados no ar,
suspiros de pétalas-flores.

Disse-me numa noite
que se casaria com o luar,
e no todo-sempre
encontrou seu lugar.


Gabriel Bernardi

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fantasia

quem me dera pesar
irracionais centenas
todo o peso do mar
+ Tróia e + Helena

quilos de sentimentos
numa imensa superfície
moldando minha face
nas múltiplas de Ulisses

quem me dera ser como Alice
então diminuir e ir além da toca
onde o sonho se verbaliza
em derme, em corpo, onde ele toca
           
                                                                                                                 Gabriel Bernardi

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Cara ou coroa

Sem coroa de ouro,
bronzeio minha cara
no sol vespertino.

Sigo um caminho e outro
ziguezagueando por travessas,
sou mesmo o rei louco
do meu destino às avessas.


Gabriel Bernardi

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Por, opor, compor

      compõe-se 
      o opositor
      de tudo
      o que não for

     se mesmo a flor
    guarda espinho
  e expõe a cor
  seja como for

                                                                                                                 vai opositor
                                                                                                            compõe
                                                                                                              caminhos
                                                                                                                         tortos de torturas
                                                                                                                  de dor-amor


       Gabriel Bernardi



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Tombo verde

Se na floresta
uma árvore cai,
um som aí se vai?

Só um grito
ouve o grilo:

GERÔNIMO!


  Gabriel Bernardi

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Corrente

as algemas do preso
tingidas de sangue
eram sua cor rente
que se desbotava


       Gabriel Bernardi

sábado, 2 de novembro de 2013

Poemas à noite

poemas para a noite
devem ser pequenos
devem ser - pois
logo de manhã
- serenos


      Gabriel Bernardi

domingo, 20 de outubro de 2013

Café passado

Você me pegou
de chaleira na mão
passando café
margarina no pão

distraído que fiquei
nem sequer reparei
derramava café
passando margarina
no peito do pé.


Gabriel Bernardi

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Vento

A imagem de fora
por dentro se deforma,
e quem se mostra uma fera
é pálido e delicado
feito cera de vela.

Somos o vento que sopra
em nosso barco,
em nossa vela.


                Gabriel Bernardi

domingo, 6 de outubro de 2013

Moinho

Um motor vital faz as águas correrem.

Enquanto uns pensam
que os caminhos se separam,
outros tampouco desconfiam
que eles deixem de andar lado a lado,
afunilando em destinos comuns.

E nessa questão comparativa
somos todos idênticos
em sermos distintos.


                                                           Gabriel Bernardi



sábado, 21 de setembro de 2013

Livro sem nome

Busca qualquer coisa
que mate seu tédio.
Pega da estante
um livro qualquer.

Obra de poesia,
um novo remédio.
Ah! Tudo de novo:
o livro, outro estorvo.

Quem supõe a menina,
se incomoda com o clima
de chuva e distância.

Reconhece incerto
um nome por cima
sem te fazer perto.

 
                                                        Gabriel Bernardi



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Dispar de si

Quanto mais alguém vive de aparências
- ao que parece -,
mais dispar de si
se fica.

A parceria entre eu e si
se dissolve
e em ti
nada mais se envolve.


Gabriel Bernardi



terça-feira, 10 de setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Cela


"Se a porta da cadeia
esteve sempre aberta,
terá sido o medo ou quem sabe
o conforto que não o deixou ir?"
Cogita o carcereiro
sentado em sua cela.


                                                                              Gabriel Bernardi

domingo, 18 de agosto de 2013

A corda

Sou vítima de uma fome
de uma vontade que nasce
cresce e quer me engolir
admito o medo, pois agora
mas só por hora
sinto a prisão de amarras
e por aqui vou desviando
da fome e suas garras

Sinto outro desejo
também daqui de dentro
gêmeo da fome e diferente
querendo seguir em frente
ajudando a desfazer o nó
a mover minhas pernas
e buscar outros ares sem
esse gosto parente do pó

Se um não matar o outro
estou feliz
quem nunca viveu a vida
sem tombo ou cicatriz?


Gabriel Bernardi

sábado, 10 de agosto de 2013

A cada dia chuvoso, uma árvore renasce



os botões de rosa estão florescendo
em árvores que ajudei a regar
mesmo quando não estou por perto
as rosas continuam a brotar

enquanto uma planta cresce
há tanto mais a se admirar
em outras primaveras ou nas
plantas flutuantes do mar
 
cavo mais fundo em meu eu
para plantar e renascer o mundo
jogo as sementes à sorte do breu
esperando por um pouco de tudo

o peito que aperta de vez em quando
e só a chuva é capaz de envolver
noutros momentos quer abrir de vez
e admitir que sempre esteve amando

o problema é que nunca esteve a mando
de ninguém a não ser de seu desejo
como a árvore só verdeja em sua terra
da raiz do seu solo virá seu ensejo


                                                                               Gabriel Bernardi

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Crepúsculo dos ídolos

Meus astros caíram da redoma do ideal. Foi numa noite muito fria, nas alturas da escada que construí para alcançá-los e que já ultrapassa suas casas há muitos metros. Era eu quem então assumia o lugar no topo. Ali não era tão confortável quanto imaginei. A qualquer vacilo poderia cair. E cairia como um deles, não pertencendo mais aos lugares de onde vim. É preciso de um pouco mais de força, de um certo equilíbrio. 

Aqui a gravidade é outra e a gravidade como as coisas são encaradas também. Aqui se pode ser pai, professor, psicólogo, irmão, amigo e muito mais. Faz-se compreensível a dificuldade pela qual os que me antecederam passaram - aqui, mas sempre lá, sempre adiante... Falta-me uma casa por essas bandas,  assim como faltam outros passos por esses altos terrenos. Será interessante, isso eu já posso dizer. Resisti no início, mas acredito que será interessante. 

E mesmo aqui onde me encontro, não pretendo esquecer os degraus por onde vim. Ainda vou descê-los mais de uma vez e a minha casa será onde eu estiver. Nesse processo o que aproveitei mesmo foi o desenvolver da minha capacidade de criar, de transpor o ideal para o plano do real e ainda poder sonhar, criando objetos fantásticos no palco dos sonhos, dos olhos que se fecham, voltam-se para dentro, descansam e retornam para encarar tudo a sua volta com ânimo renovado - e quantos olhos temos quando estamos juntos! 

A felicidade de desmistificar uma estrela é entender do que ela é feita e como ela foi parar ali, para que disso se possa criar uma constelação própria, apropriando-se da vida em toda sua potencialidade.


Gabriel Bernardi



quarta-feira, 24 de julho de 2013

Plácido

Tenho tanto a dizer que acho melhor calar
Num pingo de silêncio ou na gota do olhar
Tanta água qual um oceano que até passa
A vontade de rimar


Gabriel Bernardi



segunda-feira, 8 de julho de 2013

O estado do Estado

Não costumo escrever sobre política, mas meu senso crítico e a indignação que cresce em mim não deixam que eu me cale sobre o atual estado das coisas. O Estado não me representa. Ainda tenho um extenso caminho a trilhar para conhecer melhor a política atual e o que levou o Brasil ao que dele se faz hoje, mas percebo que como está não dá. Informando-me sobre as ações de Dilma após os protestos populares que encheram as ruas do país com manifestações - a princípio apartidárias -, percebi que sua linha de atuação não está tão voltada assim ao interesse do povo, mas ao seu próprio e ao de seu partido de se manterem no poder. Não sou contra a esquerda, pelo contrário. Só não acho que o PT a possa sustentar como diz que faz. E emprego a mesma desconfiança aos demais partidos. Disputam o número de ministérios onde afincaram suas bandeiras partidárias, buscando acordos por interesses próprios. Estando no poder, querem manter-se nele ou buscar ainda mais. Estando um pouco de lado, engalfinham-se e tentam puxar o mais que podem o tapete dos que lá se encontram. 

Não há horizonte. Há uma torre de marfim (verticalidade pura) que nada tem a ver com os cidadãos comuns, a não ser que são esses os que sustentam com sua mão de obra os pilares da torre. Prova disso são os manifestos. Abalaram a estrutura. Fizeram políticos se moverem. Mas seus movimentos por enquanto são fachadas, apenas refrescam a sede da população. Um líquido preto e docinho (e altamente publicitário) que cobrará seu preço no futuro com os problemas de saúde da sociedade. 

O Estado se foca em manter o poder: poder sobre corpos, sobre as ciências, sobre as tecnologias, financiando experts a ditar as verdades que lhes favorecem. E cá estamos, em véspera de reeleições de políticos que nada mais farão do que tentar se manter ou galgar um lugar no poder. Duas alternativas parecem viáveis momentaneamente: buscar conhecer os candidatos que melhor nos representarão como povo - e aqui falando sobre interesses que buscam a igualdade e não meras disputas de classes - e não deixar o movimento e o significado caracterizado pelo bordão "vem pra rua" morrerem nas coletividades e em cada um.


Gabriel Bernardi



sexta-feira, 5 de julho de 2013

Devir barro

Sinto-me mais próximo da tão negligenciada aula de artes, do que de uma olimpíada de matemática. Não quero ser como uma criança inteligente que, por ter uma boa visão lógica e espacial das coisas, aprendeu a juntar peças de lego de diversas maneiras possíveis. Há certo limite nos encaixes que me incomoda. Sua prisão se encontra na razão e na chamada probabilidade. As peças ainda são feitas de um plástico duro que mal representam o petróleo de onde se originam. Os buracos onde suas elevações devem se encaixar precisam ser do tamanho exato, caso contrário toda a estrutura fica meio bamba, meio insegura. Estou mais inclinado ao barro, por mais que os puritanos lhe acusem de sujo ou arcaico. O barro é um material maleável, junção de água e terra, que bem se envolve com outras partes desses dois elementos tão presentes na natureza. Mas veja bem: não falo de encaixes perfeitos, pelo contrário: suas formas unidas são sempre singulares. Cada um prossegue como se moldasse sua história tal qual um oleiro molda as curvas de sua arte, deixando uma marca indelével e legítima do seu eu, dos seus afetos e do seu corpo no mundo. Por essas e outras, quero deixar meu barro bem volúvel, mesmo quando belas estatuetas possam surgir; o quero sempre livre, solto, sem ser estático - estatístico! -, para que não se quebre ao encontrar paredes, mas sim se espalhe por sua superfície até achar algumas fissuras onde penetre desfazendo-as, mas não sem antes amolecer um pouco o muro. Uma nova escultura, por fim, surgiria dos encontros, sem nunca acabar por completo o processo - por não ser concreto ou plástico, metal ou vidro: por ser barro e vir a ser o que for.


Gabriel Bernardi



quarta-feira, 12 de junho de 2013

Céu engarrafado

NU VEM a água:
GUARDA-se em CHUVA
e VEM TOda cinza
transPARECER o solo.

Mal começava a verter o líquido celeste,
e já o vento tirava de mim um guarda-chuva a bailar,
fazendo-o parecer nuvem negra flutuando no caos.


                                                                                 Gabriel Bernardi



quarta-feira, 22 de maio de 2013

Verde vida

Nasceu como uma laranja de umbigo
E partiu como uma laranja do céu

Criou-se em meio à natureza
Tendo as folhas como véu
E sem apreciar certezas
Fez da vida um dossel.


Gabriel Bernardi



domingo, 5 de maio de 2013

Meio desligado

A pressão da prensa que
nos apressa, via de regra,
a imprensa alegra.

O custo subversivo do susto
não percebido ao vivo
mas a cores subconscientes
cobra a fixação humana
no televisor de tela plana.

A parte do fato
dado como obra inteira:
eis a arte de usar os dados
por pura conveniência,
dada nossa atitude de
completa complacência.

Um ato e uma virtude:
a atitude da vida asceta,
mover-se e comover-se,
abster-se dos grilhões
das culpas e dos perdões.

Livre será toda grande verdade
que a ninguém mais servirá:
brota a vontade de questionar.


Gabriel Bernardi

terça-feira, 23 de abril de 2013

Trinômio

A solidão pode torná-lo um bastião frente aos outros; dois nunca são iguais, mas, em sincronia, são como pernas a locomover um corpo ao seu Norte; três formam um tripé, e, como um bom tripé, o equilíbrio só é atingido se todas as partes se comunicam num mesmo ponto.


Gabriel Bernardi




sexta-feira, 12 de abril de 2013

Autoria

Vi que faltava um ponto, mas não quis dar bola.
Não sei se a desatenção o alimentou, mas este
sinal que fugiu do meio do meu texto
quis atrapalhar todo o transcorrer do enredo.

Um pobre ponto, no final das contas.
O que seria dele se não fossem as palavras?
Sua ausência se faz presente sem que a escrita
deixe de existir. Além disso, eu sou o autor aqui.


                                               Gabriel Bernardi



terça-feira, 9 de abril de 2013

Scribo ergo sum

Escrever para quê?
Para reprimir um impulso,
Para impelir uma ação,
Para cortar os pulsos
ou alegrar um coração.

Escrevemos por quê?
Porque assim não se é só,
Porque a palavra faz par,
Porque se teme virar pó
sem legar ao mundo um altar.

Escreverias com o quê?
Com as dores do mundo,
Com amores profundos,
Com a vontade de falar
não deixando de calar.

Escrevo um pouco pelos quais
outro tanto para ninguém.
Faço isso com os reais
sentimentos vindos de além.
Por outros motivos, faço isso também.


                                    Gabriel Bernardi



sábado, 6 de abril de 2013

Música outonal

Terra em sentidos
para onde farejar um odor,
um ar, hortelã e quem sabe
- o vácuo! Estar perdido
é saber que não se sabe.
Olhando à frente e seguindo a luz
poderia dizer que é um farol.
No andar do desorientado
poderia ser qualquer coisa,
a luz no fim do túnel,
a morte... Fosse ou não foice,
o importante é o gosto de sentir,
de se movimentar.
Não há grilhões de sensatez
ou o medo da estupidez.
Flui-se apenas.
Evaporar, chegar aos céus, voltar à terra:
viver o que se pode
e sonhar alguns acordes.


                                    Gabriel Bernardi



quinta-feira, 4 de abril de 2013

Partida

Ela já sabia que eles todos iriam embora logo, logo.
Mesmo assim adormeceu.
Quando lhe acordei, estava surpresa e havia espanto em seu rosto.
Os sonhos sempre partem ao abrir dos olhos.


                                                                          Gabriel Bernardi



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Se gira o sol

Mostra-te cria ativa, criatura!
O que mais poderia esperar
a essa altura dos teus atos
nunca desatados, jamais realizados?

A espera que foi linda esfera
com figuras brilhantes no interior
não passa de ex-fera, de uma
besta que devorou meu coração.

Li que do mal será queimada a
semente, liquidei ilusões e
mantenho a cabeça à frente

percebendo que quanta idade e
quantidade não mudam nada.
Muda só é ser, se gira o sol.


Gabriel S. C. Bernardi

terça-feira, 26 de março de 2013

Céu

Um tanto perplexo com o pouco
de energia que tu não desprendes
desse belo corpo para chegares
até mim, tendo eu feito
loucos caminhos até você.

O que digo? Não era para ser isso
um deleite, um desfrute, uma excitação?

E foi, e algo que foi já não o é.
Cansei de ficar só parado só.

Já lá se foram palavras, filmes, carinhos.
Já comigo ficam poesias, chocolates, beijos
nunca dados, dados não registrados.

Mar, mar, mar:
que tanto tenho repetido essa mesma palavra?
Pareço um desses pássaros falantes
desses que poderiam voar
não fossem as gaiolas as que adentraram.
É bonito um bichinho de estimação...
É deveras bonito, decerto, a prisão...

Mas, mas, mas:
a gaiola esteve sempre aberta
eu que esperei quem estava lá fora
se encantar pelo meu falatório.
Palavras cíclicas não me tiraram daqui
seu olhar rubi é a pedra a pesar meu coração.

Cansei, cansei e voei, e agora não será
tão fácil voltar, pois me falta querer.

O interessante disso tudo foi um vislumbre
um entreolhar para além do presente
uma vontade que cresceu dentro de mim
um querer aquém dos presentes.

Minha realidade virá narrada ao vento
a brisa no céu não me trás lamento
não sinto o mar, mas o vejo bem lá embaixo
não fixo o olhar, sigo e sossego o meu facho.

Esse vislumbre do que nunca vi, esse
amor pelo que nem sei
- tudo humano, demasido humano,
- voando sobre humanos busco outros como eu

busco quem bata asas num ritmo tão natural
que ao nos encontrarmos será como se já
ali estivéssemos libertos de todo o mal.


Gabriel S. C. Bernardi



segunda-feira, 25 de março de 2013

Concha

É tudo pequeno
se ficamos fechados de medo
de entrar com as ondas do mar

É tudo pequeno
o mundo, teu enredo
a arte breve de se calar

É tudo pequeno
difícil e segredo
- mas basta um olhar.


Gabriel S. C. Bernardi


quarta-feira, 20 de março de 2013

Eterno retorno

Acordei assim meio confuso
sem saber se havia mudado o fuso
do meu horário
ou se o fuso era o corpo de uma mulher
espetando a agulhadas o imaginário
delírio de se ter a quem se quer.

Meu corpo estava descansado
a mente não
Num momento de lucidez pensei
e assim era o meu estado:
suava frio pelas mãos
Foi dando voltas e voltas que enfim voltei.


Gabriel S. C. Bernardi



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Orionis



Desenhados no meu corpo
três pontos sequenciais
refletem-se em teus mares.



                                                                       Gabriel S. C. Bernardi




quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Tribunal de causas interiores


O olho brilhante de lágrima
culpa-me pelo crime que fiz
e o martelo batendo no peito
é quem me condena

espero desse juiz
a leveza de uma pena.

                                                                                      
                                                                                 Gabriel S. C. Bernardi



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!


Eduardo Galeano (O livro dos abraços)




quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O sonho como norte da realidade



O celular despertou e me impulsionei de modo que me levantasse rápido para descer e tomar o café da manhã... “Descer e tomar o café da manhã”? Eu não estava mais no retiro onde passei treze dias das minhas férias, mas sim no meu quarto, dentro de um apartamento de um andar apenas e sem nenhum compromisso aparente me impelindo a correr. Fiquei ali. As imagens que já se apagavam na mente eram de eventos com pessoas que conheci há poucos dias, pessoas que compartilhavam, recebiam e se uniam em direção aos mesmos objetivos, sem que, com isso, esquecessem a singularidade do outro. Eram elas participantes do VER-SUS, tal qual eu fui. Nós estávamos ligados ao mesmo centro, não importando a forma com que nos juntamos àquilo ou como cada um perseguiria esse mesmo objetivo. Importava a rede estabelecida, com suas ramificações móveis e prontas para se reorganizarem, se necessário.
Como prosseguir agora? Eis a questão que se impõe e instiga um esclarecer que revele caminhos complexos e um horizonte amplo e resplandecente.
As preocupações são inúmeras nesse momento. Onde está a pluralidade, quando se quer tomar apenas uma forma de funcionamento como a ideal? Onde está o poder de escolha, a autonomia, a liberdade? A resposta que me vem agora é de que se pode buscar isso tudo nesse sistema, no SUS, que foi construído com diretrizes que não pretendem a exclusão de ninguém e, mesmo tendo princípios que, por si só, bastariam para a construção de um trabalho que respeite a dignidade de cada ser humano, ele é aberto para o novo, para a construção de modos de funcionamento ainda não previstos.
Nós, versusianos, como pessoas que passaram por uma gratificante experiência de integralização de conhecimentos e entendimento ético e complexo do ser humano, não somos mais inspirados por ideias ilusórias, como Sancho, personagem de Miguel de Cervantes, pois a ganância e o acumulo de riquezas são apenas o maior exemplo do individualismo da era contemporânea, que tanto arrasa e complica a convivência social igualitária. Lutamos por algo que diga respeito ao bem-estar total, lutamos a favor de algo universal que transcenda a lógica posta. Tampouco somos acomodados. Abdicar de parte de nossas férias para mergulhar de cabeça na realidade do SUS, presenciar suas potencialidades, questionar seus problemas e propor soluções são atribuições totalmente desafiadoras, que exigem um distanciamento das informações unilaterais midiatizadas e exigem uma caminhada que pode e deve ser permanente, pois a educação continuada é uma arma muito poderosa contra a fadiga, a frustração e ainda nos fortalece para que não deixemos a alienação nos engolir.
Tememos e amamos – somos todos humanos, grãos de areia no mundo, partículas subatômicas no universo. E como é bom ter consciência disso.  Como é bom saber que fazemos parte de algo maior, saber que não é na busca por riquezas, visando elevar uma pequenice solitária, mas sim em monumentos compostos de conquistas em conjunto que atingiremos uma satisfação, o sentimento de que nossa passagem por essas terras valeu a pena, foi gratificante a um e a todos.
Nenhum homem ou mulher é uma ilha – somos um arquipélago.


Gabriel S. C. Bernardi



domingo, 27 de janeiro de 2013

Sem um coração mar é breu

Passa
a pasta
no dorso

Pula
se joga
num sopro

Sente
a onda
no corpo

Surge
de volta
no topo

Molha
com água
o rosto

Maré
céu solar
um fosso

Mar é
seu olhar
seu rosto


Gabriel S. C. Bernardi

sábado, 19 de janeiro de 2013

Cena na biblioteca

- Ainda bem que o pensamento não tem som!
Ouço um resmungo em resposta.
- Perdão. Pensei alto.


                                                                      Gabriel S. C. Bernardi



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O autor de alturas

Prédios se erguem logo após o descampado
De longe via meia dúzia de cômodos acesos
Com meias luzes que observo de todo calado

À esquerda as ondas vão ao topo
Por sobre as costas desse corpo

Ou por sobre a costa litorânea e fria?
Sinto na mão uma gota breve de epifania

O sono que já é tanto
Sugere ser a realidade
A base de todo o encanto



Outro pingo na face, outro na orelha
Quando findo uma fase, outra se esguelha



As luzes são confusas e a torrente
Tentando imitar difusa o invisível
É o manto a limitar o consciente

Será que o edifício continua ali?
Alguém me observa e me espera lá?
Já vi que durmo... Algum dia vivi?

Na hora em que o claro serpenteia o escuro
Vejo vasto o espaço por entre os tons

No entanto não é no alto prédio meu futuro
Mas no que tudo faço com meus próprios dons.



Gabriel S. C. Bernardi