quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

CDL

Perceba: do limpo e casto sabão
Há de vir o sujo caos da explosão.

                                                Gabriel S. C. Bernardi


domingo, 9 de dezembro de 2012

Fita de Möbius

Desconfio desses que buscam uma tal felicidade plena.
Desprezo os que morrem em tristes melancolias.
Ser um bobo da corte: a cegueira dos que temem o açoite.
Ser orador do próprio túmulo: fuga e baixeza em acúmulo.


Do que preciso é de uma alegria triste, de um sorriso que sabe o peso dos músculos que lhe erguem e, por isso mesmo, se expressa com tamanha beleza, que o esforço é justificado em cada fibra vitoriosa - uma união de força e gozo tácitos.

Quem sabe uma triste alegria, algo meio nostálgico... Quem sabe também se deseje isso?
A dicotomia - como já deve de ser sabido entre nós - só existe virtualmente.
O que pode ser real sem uma antítese?
O que pode ser iluminado sem produzir sombras?


São constituintes de um mesmo todo.
Perceba, amor: aquele está contido naquele.
O infeliz está dentro do feliz.
"Se fora está a festa, dentro uma solidão in-festa."
Somos as superfícies que sustentam esse "dentro" e "fora".


Gabriel S. C. Bernardi


domingo, 2 de dezembro de 2012

Más caras


Há exposições e exposições... A hipocrisia tende a distorcer muitos aspectos no trato social. "Mostrar" quem se é, sem temer o julgamento alheio, poderia ser descrito com a expressão "dar a cara à tapa". "Parecer mostrar" quem se é já se trataria de uma inversão, uma confusão mesmo de quem o tenta fazer, pois é inseguro e não tem muita autonomia sobre o que faz - então dá-se a "tara à capa". Ou seja: esconde-se o desejo com uma capa, dando uma nova e irreal face ao sujeito que se disfarça. Da mesma forma, é preciso de um olhar aguçado por conta de quem interage ou observa semelhante pessoa. Seria apenas uma brincadeira de máscaras ou um jogo de más caras?


Gabriel S. C. Bernardi

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Adiante de si

Quantas árvores estão à frente,
Atravancando os passos do presente?

Quantas transposições a superar,
Desde o balanço até o altar?

Se essas perguntas me fossem
Feitas,
Seria um médico prescrevendo
Receitas.

"Para sua alma de olhos falhos:
Lentes para enxergar os galhos".

"Para o sedentarismo intelectual:
Livros - que melhores degraus?".


Gabriel S. C. Bernardi


sábado, 24 de novembro de 2012

Momento

Quando lhe disser tudo o que sinto,
Pelo tom de voz saberás: não minto.
Quando nada digo e lhe admiro,
Entendas: é pelo olhar que me refiro.

"A quê?" - perguntas.
"Para que perguntas?"


                                                                                          Gabriel S. C. Bernardi



domingo, 18 de novembro de 2012

A noite ser

Noite como contradição:
Uma deliciosa companhia
E uma tremenda solidão.


                                                             Gabriel S. C. Bernardi



terça-feira, 13 de novembro de 2012

Aguarda, chuva

Chove e o clima, como o constructo de mais elevado grau de altruísmo, pede que eu fique ao lado dela, que a enalteça, que não lhe feche a porta. Chora, chora nuvem celeste. Não há quem se preste a lhe acalmar. O pranto que escorre é água do mar. "Fico!", assim ninguém se machuca: nem eu com seus raios e trovões, nem você, pobre chuva, dilacerada de culpa, e nem a casa - de abandonada.


Gabriel S. C. Bernardi



domingo, 11 de novembro de 2012

Só rio

Clima pós-apocalíptico:
Crimes ridículos
Agora míticos.

Sinas conjugais,
Problemas tão banais.

Os redemoinhos
São quixotescos moinhos.

E aquele rio,
Que nos partia em mil,
Agora sorriu.


                                                                       Gabriel S. C. Bernardi



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Zumbido

Era um jogo violento em que ambos despiam armaduras e capas, expondo-se ao relento.

Quando um insistiu em suas tralhas vestir, subjugou o outro, reprimindo-o em seu agir.

"Se é assim que obténs vitória, escondendo sua história, dou-te, Morte, derradeira glória!"

Mas de nada adianta: enterre-a como pode, vire-se e verás que se levanta.


Gabriel S. C. Bernardi


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Luminescência

Festa de luzes no céu:
Todo o reparo alheio
Em foco no grande dia de véu,
Grinalda e mais rodeios.

Estive por terra,
Aprumada e acesa.
Mesmo em tempos de guerra,
Minha haste mantive tesa.

Minha beleza ao acaso
Um puro fotógrafo viu,
E com um flash e um sorriso,
Quebrou o que eu tinha de vil.

Minha fugaz lembrança
Do homem sutil
Mantém viva esperanças
De rever quem me sorriu.


Gabriel S. C. Bernardi


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Silvo

Das penumbras fecundas do ventre terrestre ela emerge.
Herege: é cobra venenosa, que entorpece sua presa com hálito de cidra.

Fala com uma voz tão mansa, que a caça, de olhar vidrado, pensa que só descansa.
Num único bote - preciso e violento - varre a vida do palerma, arranca tudo que é alma e ânimo, deleitando-se até o último "ai".

Feliz de ser vil, em todo o seu esplendor, digere pele e carne em sibilos de torpor.


Gabriel S. C. Bernardi


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CAPSaoLÉU

Não chame de senhor, senhora,
Um rapaz vinte anos mais novo.
Acreditas no Senhor, senhora...
Foi ele quem findou seu estorvo?

E foi tanto o que lhe aconteceu,
Que eu, do meu lugar,
Não pude deixar de me chocar.

Expôs seu braço nu,
Mostrando seus hematomas.
Seus olhos de um tom cru,
Como janelas aos seus sintomas.

Fico feliz de a rede a ter acolhido,
De ainda sermos humanos, e de poder
Acreditar naquilo em que lutamos.


Gabriel S. C. Bernardi


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Além do que se vê

A lâmpada acesa na casa azul... Já é noite e não se cansa ou se descansa.
Foi-se o arrebol, vermelhidão do sol, sem avisar se ficava ou se ia.
O brilhar inútil não revela o quão fútil é esse falar sem filosofia.

Para agora e olha: não foi melhor assim?

Não foi pelo manto negro da noite que tudo teve fim.
Depois de desviarmos o olhar de nós, pudemos olhar para o céu.
A nebulosa escrita em estrelas cadentes agradecia o que aconteceu.

E foi de manhã que a luz da lâmpada vã se extinguiu.

Gabriel Bernardi





quarta-feira, 29 de agosto de 2012

À deriva

Na inércia dos meus pensamentos
Eu às vezes penso poder me afogar.

Fulgura o sol vermelho
Quente vem e queima e causa todo o amor;
Conserva assim em rubro esse meu torpor.

Conversei com Maria que disse do dia
De um azul do céu e dum avião...
 


"Quem sabe um dia ainda
Fale-me sem pressa,
Numa fala linda,
Do que lhe interessa
Numa prosa boa
Sem estripulia
Mesmo sendo à toa".

 

Respondi foi isso, pois sem compromisso
É como vou fingindo
Um despreocupar.

Se um andar de ir indo,
Não for o mais lindo, me perdi e findo.

Sem nenhum lamento
Eu às vezes penso em me deixar boiar.



Gabriel S. C. Bernardi

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Leve

a vida não precisa ser tão dura, tão pesada
tem vezes que mesmo as coisas mais difíceis
as que pesam toneladas
poderiam descansar de sua própria massa
seria como amarrar balões em volta delas
e o que é leve
neste enlevo
as levaria
                                         
                                     
                                       Gabriel Bernardi



sábado, 18 de agosto de 2012

Fragmento de uma história qualquer

[...] Há uma pedra dentro do lago.

Toda a vez que se quer sair dele,
procura-se a tal pedra,
sobe-se na rocha limosa,
e o corpo emerge à superfície
de terra e grama molhada.

Acontece de as pedras tenderem a rolar.

Foi de tanto alguém pisar,
ignorar e tomar por óbvia
a posição estática daquela,
que servia como base aos corpos,
que um dia o mineral se deslocou,
partindo em busca de outras águas
sem pés descuidados [...].


Gabriel S. C. Bernardi

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Fênix

em fogo cíclico
sem início ou fim dados
dado que assim estávamos
alimentados pela própria natureza
do nosso calor

nós, nus, vimos
que nada é tão extremo
que não tenha um fim

do fogo ao pó
do pó ao nada
depois das cinzas
você voltava
em chamas e alada


Gabriel Bernardi



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cem horas

Prenda-me,
mas se te chamares Noite
e tiveres unhas negras
para cravar em minhas costas.

Tu que és Tarde,
contigo terei momentos a sós,
sós com as árvores,
os pássaros, as calçadas e só.

De que adiantam as horas,
se quando a Música me alcança,
tudo o mais se apaga
em ritmos de lembrança?

Sinto muito, senhoras,
por não amá-las divididas.
Pois todas as suas faces,
encontro numa só Vida.

Gabriel S. C. Bernardi



domingo, 12 de agosto de 2012

O preso do preço

Mães solares sós em seus lares.
Entre santos e plantas,
Cultivam seu ninho.

Pássaro canário: canalha e salafrário.
Enche o bico, passarinho,
Com alpiste cor d'ouro.

Bandido ou corrupto:
Iguais, mas diferentes:
Um usa a touca, o outro, o púlpito.

Presos ilesos de pelo em cabeça.
Têm quem os ame e chore por eles.
Os bandidos reais contam dólares

Em seus ternos de penas de passarinho.


Gabriel S. C. Bernardi

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Verão -- e o que não se viu


Quando me deparo
-- Um não acaso, um caso raro;
Sei que livremente
A vida segue para essa gente --

Sobre a solidão e as dores do verão,
-- Entre hastes e alicates,
Dilacera-se o coração --

-- Três foram as vezes a me enganar;
insurgem, póstumas, quatro verdades --
No quarto de ninar:

Há de ser a lembrança que penetra o coração.
-- Imagens sobrepostas e ajuntadas
Destinadas a serem cinzas
Numa próxima estação. --


Gabriel S. C. Bernardi

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Rindo sós à noite - nós: a noite e eu

Só            Se           Seu           da        Par       Ter
Sobra        Dobra,      Véu:         De        co.       nura
Sombra.    Tomba.     A lâmpa    Lume    Breu,    E frio.



                                                         Gabriel Bernardi




quarta-feira, 25 de julho de 2012

(A)teus olhos

Houve uma hora em que eu tentei falar
Minha boca estremeceu
Não fui eu quem falou

Houve um tempo em que eu baixei a cabeça
Meus olhos ao chão
Não fui eu quem calou

"Quem somos e fomos não é fato
Não é aquilo que se conserva em porta-retratos"

"Isso é difícil de explicar
Não é sobre o tempo ou sobre um lugar"

Aconteceu que nos movemos e a Terra também
Um preso no sul da bússola de ninguém

Acima e mais próxima do mar você está
Para onde eu não sinta o seu olhar

Ouve o que agora posso falar
Antes um vulto do que não se crê
Ouve o que meus olhos podem mostrar

Antes que a hora venha até você
E meu sorriso se esmoreça
Faço um esforço para que não se esqueça

"Meu corpo se realiza em todos seus passos
Minha mão desenha as suas envolta em seus traços"

"A felicidade que veio não foi a que jogou
Você aos céus - mas a da dúvida que ela evaporou"

"Nossos afetos nos aquecem mesmo no inverno
A cada tempo e local quando a dois estivermos"

"Aos ventos de novo, os mesmos dos vãos,
Voamos nas brechas do tempo de 10-união".


Gabriel Bernardi


terça-feira, 24 de julho de 2012

Rosazul



Eu faço o que faço e digo o que digo:
Duvido ainda um dia ser compreendido;
Dos sonhos acordados sem perceber
Um bosque de cerejeiras a florescer.

Suas folhas - pétalas rosas - caíram
Por cada despedida de nossos abraços,
Que braços, quem sabe, só eram um olhar.

Suas cartas - pétalas rosas - vieram
Veladas aos sentidos, atadas por laços;
Que nó desastrado: desfaço e no ato me faz amar.

Faço o que digo ou digo o que faço?
Não será agora o domínio dos passos.
Nossa nau segue bela mesmo sem precisar
De um leme ao léu nas ondas do mar.

Gabriel Bernardi


sábado, 14 de julho de 2012

Da maior importância


Numa plataforma de trem esperando o expresso,
enquanto as únicas coisas que passam
depressa - até voando -
são as impressões da estadia.
Precisaria ele se distanciar para senti-las;
para sentir falta e sonhar?
Phatos da distância?
Sintoma patológico?
Mas não é lógico que,


para uma espécie tão complexa,
tão simples, difícil,
o amor surja na falta?
A final: se o encontramos,
o que mais desejar?
Afaste-se!
Ou a morte será a próxima parceira
disfarçada com seu codinome mais cruel:
Cotidiano.


Gabriel Bernardi

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vi(n)das


Vi vida onde só há via vinda,
Pois só havia vida na vinda via.
Cri que nas vias de viver eu viria a morrer,
Quando me vi renascer onde ri e criei.

.
.
.

Gabriel Bernardi

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Uma velha dica




Um pedaço de papel em branco
Quando só um pedaço de papel
Em branco
Só continuará
A quem do alto de lado de onde estiver apenas olhar
Trabalho tedioso da retina e companhia

Decepção solitária da imaginação extraordinária
Desperdiçada
Como aqueles velhinhos nas praças
De tênis esportivos
Crendo que viverão mais tempo
Que tempo 

Seguindo palavras d'outros doutores
Dos reis da Ciência
Dizendo como se comportar
Como se virar na 3° idade
Ou virar a cara para ela
Dizendo sem falar que se despeçam de sua prole
Calcem os novos sapatos sobre a terra
Retardando ad absurdum o momento em que ela se SobrePõe

Porque o sentido que lhes dão é o da prolongação
Estender o papel em branco sem nunca preenchê-lo
OU pintá-lo dobrá-lo amassá-lo às vezes claro

E - bom - se não foi você quem o significou
E por aqui continua
Alguém o fez em seu lugar
Que você não leia nada do que escrevo
Ou do que qualquer um já ousou escrever
Se não souber desobedecer

Pedaço de papel em branco e de todas as cores.


Gabriel Bernardi

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mar & Cia.


correndo contra um tempo que não existe
perguntando se é necessária a pressa
quando nessa cidade pouco se ouve de triste
corro entre os flashes dos bares, das festas

sei que eles têm urgência de choro
bebem e se alegram quando há dança
nas olheiras, o pedido de socorro
de um corpo que não descansa

não sou muito diferente
assim como eles não são todos iguais
Eu, Eles, às vezes somos Nós

adivinho um fio à minha frente
algo que tinha por ser nada de mais
o elo que ata todos esses nós

navegar a favor do vento que não cessa
a melhor forma de seguir com a vela em riste
numa nau de cores brilhantes em cada peça
quando nessa cidade pouco se ouve de triste


Gabriel Bernardi

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Uma grande viagem


já se passaram horas em que passeio
sem lar, sem ar,
sem rumo e sem freio

o que tenho são umas malas
dispostas no hall de entrada
de uma das minhas tantas salas

porque,
apesar de não ter casa,
tenho inúmeras salas
por onde ando em sonhos

já se passaram horas
sem que eu diga nada,
retido no interior de mim,
evitando cada parada

o que passa pela janela
lembra o que se foi dela
pequena, frágil e ainda bela

porque, apesar de não mais existir,
será sempre aquela casa
onde pequeno nasci


Gabriel Bernardi

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Três momentos


I

lá fora está a festa,
aqui dentro,
a solidão infesta

II

na tela uma cicatriz
risca a alma de Ex-tela
no retrato que nunca fiz

III

entre amores e dores
seremos sempre
amadores



Gabriel Bernardi


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Lar

as paredes em silêncio
dizem mais do que se espera:
de suas pedras retornam ecos
imagens limpas de quem eu era


Gabriel Bernardi

quinta-feira, 24 de maio de 2012

The Dark Age

If this night seems just fine
It’s because you’re by my side
But if somehow you say goodbye
I won’t say I’ll be all right

Some dark feeling found me
A fear to watch and don’t see
Nothing but gale and leaves
When I let you running free

Can we live in a such new chaos
Spinning around without a trail?
The hardest way is take a choice
 


So go if you hear the voice
Inside your heart calling high
Here it goes your chance to fly

And if someday you get a try
Come to me with your own name
About this day I can certify
We'll stop the unfinished game

The speech telling you’re well
Will lift me up from where I fell
Finally we'll get off this stage
Breaking out the Dark Age


Gabriel Bernardi

terça-feira, 15 de maio de 2012

Massas

.
.
.

Essa quantidade de marcas de espaguete
Espalhada nas prateleiras do mercado
Só pode significar um movimento de poesia
Um movimento em massa e industrializado

.
.
.
                                          Gabriel Bernardi

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Quatro últimas estrofes

Pele roxa, pálida e vermelha
O peso de um punho no rosto
Permite ao sangue que corre
Verter em correntes parelhas

Micróbios dessas sujas mãos
Pretendem infectar minha pele
Borradas com rímel quase carvão

Álcool, lentes e meditação
Procuras a resposta
Embora insistas na negação

Se olhares para o céu talvez
Entendas logo de uma vez
Que mesmo naquele azul em tela
Há pontos que somente a noite revela


Gabriel Bernardi

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Tudo ou nada


A cabeça do fósforo foi riscada
Acende-se o último cigarro
Em meio a escarros e pigarros
Um revólver mira a cabeça raspada

Agora é tudo ou mesmo nada
Uma bala a ser disparada
Ao que entra em cena a ladra

Uma dessas mascaradas
Alheia aos sentimentos
Alheia a tudo, alheia a nada

O dedo teme o gatilho
Nem disparo, nem brilho
Sentir amar a pessoa errada
É nada, nada, nada.






Gabriel Bernardi

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Foice



Aquele que morre para virar um fantasma
Ignora por certo o próprio corpo
Segue como se seguisse outrem
Cega seus olhos para o Além
E não chega nunca a ninguém

Aquele que morre mas vive
Seja num livro, num filho
É um espírito meio livre
Preso muito na memória

O outro que nem sabe se morreu
Será que sabe a pena que viveu?

O importante é que todos morrem
Uns bem antes, outros depois

À Foice nenhuma prepotência resiste
Largue então suas amarras, oh, alma triste!


Gabriel Bernardi

domingo, 1 de abril de 2012

Ao sujeito preso na Torre de Babel

Pegue de volta tudo que levaram
Pegue e guarde
Mas não acumule
Deixe vazar sem esvaziar

Veja as árvores da sua infância
As plantas do jardim
Ao menos uma flor
Um jasmim

Olhe para o alto e veja as nuvens
Acene para a lua
Inteira ou velada
Seus sentimentos crescem
Rumo ao nada

Devolva o relógio que lhe deram
Para acompanhar seu tempo
Algo que inventaram
Esse tempo

Largue as algemas
Acompanhe as folhas soltas
Soltas ao relento
Soltas no vento

E só siga essas palavras
Se elas significarem algo
Voe, crie, ria por dentro e escreva
Se isso fizer sentido para você
Babel não é assim tão fácil de entender

 
Gabriel Carvalho

segunda-feira, 26 de março de 2012

Retroceder

o vulto que passou
de certo nem notou
que no silêncio dessas horas
idas de ir embora
o carrossel do relógio
reto
cedeu



Gabriel Bernardi

terça-feira, 20 de março de 2012

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Boa parte de mim

Boa parte de mim vai embora
A sua parte que hoje sou eu

(Vanguart - Nessa cidade)

Com o passar do tempo nada mais é o que parece. O mundo muda e você não tem o direito de parar. Isso. Não existe esta alternativa. Estagnar é morrer, e morrer por dentro. Só não é a pior morte porque há como voltar dela. Mas e aí? E se você não consegue voltar? É muito cedo, podem dizer, e eu não discordo de vocês. Mas e sobre esse mundo que não me ensinou a sofrer? Que oferta mil soluções instantâneas para os meus problemas, mas todas com o seu devido custo já inserido numa lógica malandra, onde o “vendedor” sempre se aproveita do “comprador” necessitado. O desejo, o amor, o fio condutor (como quiserem chamar), que não tem mais seu destino, que transborda sem ter onde se fixar e assim evapora como que para chover ironicamente por sobre minha cabeça. A mesa sem uma perna que me tornei. Uma perna desgastada pelo tempo e os socos que demos nela. Foi-se. Arranquei. Doía-me alguma coisa nela. Fiquei meio bambo desde então. As coisas escorregam para essa ponta da mesa, onde um pedaço falta. Deslizam e caem no chão. Fogem da mesa (ou a mesa as obriga a cair). De qual material é feita a peça? Qual o tamanho e como encaixarei o novo suporte? E quem sabe se eu reforçar as outras pernas para, quando outra, melhor mesmo das que já existem, aparecer, ela combine com a reforma que fiz, com a nova robustez de espírito do móvel? E, sabe, móveis de madeira são perecíveis, orgânicos, e com chuva ácida (pois é assim que ela é) se deteriora. Por onde começo? Pela primeira, pela segunda ou terceira perna? Pelo tampo da mesa em si? Ou eu aprendo alguns macetes de marcenaria antes? Não, não espero que mais ninguém responda a essas perguntas além de mim. Sou o único que pode desbravar as dimensões desse objeto. Claro que aprendo, ouço, vejo, sinto e reflito sobre as pessoas, as relações, o que me dizem e, enfim, o universo ao meu redor para então me voltar para meu infinito particular. Só espero não ter perdido algum órgão do sentido pelo caminho, ter endurecido sentimentos ou ocultado coisas de mim mesmo. Preciso me abrir, expandir e fazer uma flexão sobre mim mesmo: refletir. Sempre a escrita. Sempre a contemplação e o pensar. Agora até dos sonhos tento tirar algo. Até do que não compreendo e do que não sei conscientemente um fio sai. Estou tentando ligar as pontas. Alguma coisa aqui e ali já aparece. Pensei em dispensar, transformar, projetar, etc., tudo em música, artes plásticas, cênicas ou cinematográficas, mas não tenho nenhum desses dons. Deixo tudo a minha mal fadada escrita, que não mostra nem dignifica e nem lembra uma única fração de como são realmente as coisas por dentro de mim. Pois as palavras diminuem tudo, como li de um poeta certa vez. Mas elas também servem como iscas para fisgar emoções, como diria Clarisse. E as minhas permeiam o meu escrito, por mais pobre e sem estilo que possa ser. Aqui é possível um pouco de paz, de luz nas trevas ou calmaria na tormenta. Não consigo falar, da boca pra fora, sobre isso da mesma forma. Essas letras é que dizem resquícios do que está acontecendo e vindo a acontecer. Só me resta esperar, enquanto realizo esses pequenos movimentos, que um novo parágrafo na minha vida floresça.

Gabriel Carvalho

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Fio condutor

É possível dizer que chegamos ao fim de algo. Talvez precisemos analisar melhor isso. Quando algo termina? O que é esse algo? Ele algum dia realmente existiu, ou não passou de um fruto da nossa imaginação? E, se, deveras, ele veio de nossa mente e tornou-se símbolo, por que não existiria então? Mesmo o que não vemos ou não sentimos existe. Se perdemos de vista um carro na rua, isso não quer dizer que ele tenha sumido, como já dizia certo escritor. E se não sumiu, para onde foi? São essas as questões que me coloco agora que algo “chegou ao fim”, para então poder distinguir o fio condutor que existe – ainda que eu não o veja – e poder me guiar por ele da mesma forma que foi no passado, mas que, deste momento em diante, tomará rumos diferente, outras estradas, outros mares...

Mas é sempre ele o condutor, pois quem ou o que, senão uma máquina, consegue controlá-lo? Não desejo isso de forma alguma, e a liberdade foi o meu maior aprendizado.


Gabriel Carvalho

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ora-pro-nobis

Ora pro nobis
Até dois segundos atrás
Nem menos, nem nada mais
Não sabia o significado

Google, buscador alado,
Deu-me a resposta do latim
"Rogai por nós"
Pecadores

Que agora e na hora
Não sabeis nem sabereis
O motivo e a razão
De Ele viver no Céu
E nós aqui no chão

Rogai por nós mesmo assim
Mesmo dizendo palavras
Sem o menor sentido em mim
Mas que rezidem num grande livro
Ao qual apenas digo sim


Gabriel Carvalho

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Origem comum


muçulmano 
americano
africano
cigano
fulano

não importa o ano,
cada um de um ramo
da mesma árvore-mundo

de tudo um pouco sou,
só devo a isso o meu louvor,
e aos meus afetos,
o meu amor


                  Gabriel Bernardi

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Fronteiras indeterminadas


Começo pelo fim
Pois isso tudo me assusta
As fronteiras do espírito humano
A insensatez e a moral
O gigantismo
O domínio
Armas
Tiros
Gritos
Ajudas
Socorros
O idolatrável
O inalcançável
A temperança e o amor
A imensidão de toda a natureza
Pois isso tudo me assusta
Termino pelo início


Gabriel Bernardi

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Devir


Tudo a minha volta eu vejo
O que me toca
Massageia

Há um jeito de escapar
Desligo a luz
Ainda não consigo ver nada
Logo conseguirei...

Nas grades!
Antes só o ar eu sentia
Agora também posso ver
E muitos são os tijolos lá fora

Pensei estar bem no alto
Mas a luz vem do além
O que há lá em cima, lá como é
Nada sei...

Ligo a lâmpada
Tudo mais claro
Mais claro do que antes
Cada objeto destacando-se à sua maneira

Entendo um pouco mais
Do que logo já não
Saberei

Gabriel Carvalho